Sempre que surge um movimento novo, como o quiet quitting, é natural que ocorram discussões na tentativa de entendê-lo.
Um dos aspectos centrais é a oportunidade que ele traz de reflexão. Dessa forma, é possível identificar o que não está bom e promover melhorias. Com isso, todos os lados ganham.
Este artigo se propõe a te ajudar nesse processo, apresentando contextos e diversos pontos de vista. O quiet quitting está longe de ter uma resposta pronta, mas queremos te ajudar a encontrar caminhos que façam sentido pra você e pra sua organização, apresentando alternativas do que se pode fazer pra lidar com ele nas empresas.
O que é o quiet quitting
Popularizado pelas redes sociais, o quiet quitting, expressão traduzida por aqui como demissão ou desistência silenciosa, defende que as pessoas devem se limitar somente ao combinado em relação às suas atividades profissionais, fazendo o mínimo necessário.
Por um lado, essa postura leva as lideranças a entenderem que essa é uma forma da pessoa dizer que não tem mais interesse em permanecer na função ou na empresa. Por outro, é apenas uma maneira de colocar limites e evitar desgastes, comprometendo inclusive a saúde, por causa de uma dedicação excessiva que, muitas vezes, não é vantajosa pelas condições de trabalho e salário.
O quiet quitting e a flexibilização da vida
Embora as pessoas tentem encaixar o quiet quitting como algo da geração Z ou dos Millenials, o fato é que atualmente estamos “vendo as coisas pela lente dos mais jovens”, como afirma o sociólogo Túlio Custódio, que também é curador de conhecimento na Inesplorato. Ele falou sobre o assunto em sua participação no podcast Braincast, episódio 470: Antiwork e Quiet Quitting: a geração Z não quer trabalhar?
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Geração Z: a geração sem rótulos
Túlio amplia a discussão ao tratar da flexibilização, e não apenas do trabalho. “A ideia de como a sua vida pode ser flexibilizada pra encaixar as mais diferentes esferas que fazem parte dela, tem ganhado cada vez mais força. O que a gente está vendo hoje, em partes, principalmente em relação a trabalho, tem a ver com a esteira dessa conversa que já vem sendo puxada há muitos anos. É o zeitgeist, o espírito de uma época que vai se desenvolvendo, tomando formas, proporções e as pessoas começam a naturalizar isso e achar que faz sentido. Desde a discussão dos movimentos e perspectivas diante do trabalho, desde buscar propósito na vida”.
O sociólogo cita ainda que a flexibilização cria o senso de autorresponsabilização e, segundo ele, não é à toa que hoje discutimos tanto a questão da saúde mental. Pra ele, “esse senso de responsabilidade e de que só cabe a mim resolver todos os problemas que existem no mundo, inclusive os do meu trabalho”. Dessa maneira, a pessoa seria responsável por sua formação e qualificação, o quanto vai atrás das coisas, se informa e “se vira nos 30”.
E Túlio continua: “Eu sou responsável por gerir tudo isso e fazer com que dê certo. Esse senso de autorresponsabilização é uma das questões que começa a cair na balança das pessoas. Cada vez mais, a vida concreta não casa com o que essas pessoas imaginam, ou com o discurso ou aquilo que elas veem nas histórias, nos livros, nos artigos, nas redes sociais. E uma das coisas que acende a luzinha é: Por que eu estou fazendo tudo isso se não estou sendo devidamente reconhecido, não estou sendo visto e estou à beira do abismo? E, geralmente quando a pessoa fala abismo é porque o colapso já aconteceu. A gente fala do burnout, do esgotamento físico e mental, só que antes disso acontecer, muitos laços já foram rompidos. Essa pessoa perdeu amigos, relacionamentos, oportunidades de fazer coisas da sua própria vida”.
E o que leva as pessoas a esse esgotamento?
Apesar de seus estudos recaírem sobre a geração millenial, a jornalista Anne Helen Petersen listou no livro Não aguento mais não aguentar mais: Como os millenials se tornaram a geração do burnout os principais motivos que fazem com que sejam mais vulneráveis a desenvolver essa síndrome.
Após diversas pesquisas e entrevistas com pessoas pelos Estados Unidos, ela fez um confronto entre o que foi herdado da geração anterior e quais as projeções que fazem pra vida pessoal e profissional. Aqui, destacamos algumas conclusões:
– As expectativas colocadas pelos pais aumentam o risco de frustrações;
– O uso excessivo de telas que acaba com os limites entre trabalho e descanso;
– A insegurança de perder o emprego e a falta de amparo da legislação faz com que as pessoas se exponham mais a jornadas exaustivas;
– Aquela ideia de “faça o que você ama e nunca mais você terá que trabalhar” aumenta as chances de desilusões e de metas pessoais que jamais serão atingidas;
– A realidade do home office em que é preciso conciliar o trabalho com a criação dos filhos pode levar a um burnout parental, principalmente entre as mulheres.
A intenção do quiet quitting é justamente colocar um limite no que tem a ver com a relação com o trabalho a fim de evitar excessos e, por consequência, um burnout.
O quiet quitting e a ressignificação do trabalho
Em um cenário em que estão presentes temas como mudança climática, pandemia, desigualdade, economia mundial, diversidade e inclusão, ESG, desemprego e futuro do trabalho, as pessoas se viram forçadas a pensarem sobre quem são e o que querem pra si.
A pesquisa Carreira dos Sonhos 2022 cita que “as pessoas estão ressignificando o trabalho e repensando o espaço que desejam que ele ocupe em suas vidas”. Isso porque, de acordo com o estudo, a percepção de profissionais jovens (46%), média gestão (43%) e alta liderança (38%) é de que a sensação de exaustão piorou ou piorou muito.
O levantamento menciona ainda o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que fala sobre a sociedade do cansaço, que é pautada pelo desempenho e com a premissa de sempre produzir mais.
Esse discurso de alta performance e superação fez com que as pessoas aumentassem a autocobrança a níveis desproporcionais. O resultado é um esgotamento físico e mental, “porque a expectativa é que a melhor versão aconteça em todas as esferas da vida”.
Por outro lado, dentro das empresas há uma busca por serem mais ágeis e produtivas, com a ideia de fazer mais com menos. No entanto, “essa busca por produtividade máxima quando somada a um senso de urgência arbitrário está levando as pessoas à exaustão, impactando negativamente a agilidade e a produtividade”, aponta a pesquisa.
E, assim, temos o cenário perfeito para situações como a que vemos com o quiet quitting.
Mas, para profissionais, o quiet quitting não é uma boa estratégia
Essa é a visão da fundadora do Grupo Cia de Talentos, Sofia Esteves. Em seu perfil no LinkedIin, ela apontou 4 fatores e explicou por que entregar somente o básico não é uma boa atitude do ponto de vista de profissionais:
1. Reflita: Você gostaria de ser reconhecido como alguém apenas ok, que não faz nada além do mínimo esperado?
2. Quem não faz nada além do básico, não tem seu trabalho reconhecido e isso desmotiva. Como resultado, enquanto profissional, você se torna cada vez pior.
3. Com essa postura, você prejudica a sua própria carreira, porque as chances de promoção serão cada vez menores e, no futuro, seus colegas de trabalho dificilmente irão te indicar para alguma vaga.
4. Você adquire novos conhecimentos e experiências quando participa de projetos, reuniões com outras áreas e se interessa por temas do negócio. Se você não participa, você está desperdiçando grandes chances de desenvolvimento pessoal e profissional.
O que fazer pra evitar o quiet quitting na sua equipe?
1. Identifique o que precisa ser mudado e o porquê
O quiet quitting reforça o quanto é importante ter uma relação de proximidade com as pessoas das nossas equipes, estimulando a comunicação, o bom relacionamento e o desenvolvimento. Quando isso faz parte da rotina de trabalho, as chances de identificar insatisfações ou o que precisa ser ajustado são maiores.
Um acompanhamento próximo também permite identificar se alguém está fazendo mais do que deveria. Além disso, esteja pronto para ouvir, mantendo um canal de diálogo aberto, onde as pessoas se sintam seguras pra compartilhar o que está ou não funcionando.
2. Mantenha as expectativas alinhadas
É superimportante que esse alinhamento aconteça desde o início e o ideal é que ele seja feito com frequência. Por isso, incorpore reuniões individuais como rotina da gestão do time. Deixe claro o que espera, compartilhe como você enxerga o papel de cada pessoa da equipe e também tenha uma postura de abertura para a escuta.
3. Evite que o quiet quitting aconteça por falha de liderança
Nem tudo ocorre por iniciativa das pessoas que trabalham na empresa. Há de se considerar que um comportamento pode ser uma reação a algo que está acontecendo, como lideranças que não atuam em favor de uma cultura que incentive o desenvolvimento pessoal e profissional das suas equipes.
Atente-se se as promoções acontecem de forma mais lenta, se há visibilidade e reconhecimento, se os salários são competitivos, como está a política de benefícios. Estes são alguns exemplos que podem ser motivadores pra uma postura de demissão silenciosa.
4. Respeite e incentive os limites entre trabalho e vida pessoal
O quiet quitting surge do esgotamento. Assim, as lideranças precisam estabelecer os limites e também as consequências de quem desrespeitá-los. O trabalho remoto quebrou de vez a barreira que existia entre casa e trabalho. Por isso, cumprir os horários combinados e incentivar que as equipes façam o mesmo é fundamental.
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